sexta-feira, 13 de março de 2009

Filme sem dinheiro

Perdoem o falso título! Porque DEFINITIVAMENTE não se faz filme sem dinheiro. Tudo, tudo, absolutamente tudo custa alguma coisa! Locação, por exemplo. Eu sou fã de filme em locação. Esse negócio de estúdio é mais caro ainda e a locação me parece mais interessante, mais natural. Eu cismei com uma sapataria perto da minha casa do Flamengo. Eu sempre comprava alguma coisinha na Sampés da Marquês de Abrantes esquina com São Salvador.

O Sushi Mar não tem nada a ver com isso. Só está lá em cima das placas na esquina.

Aí está a sapataria. E la no fundo, um caminhão gerador... Bom, essa é outra história que eu conto depois.
Mas, conseguimos a locação que eu queria graças à diretora de produção Renata Peralva que batalhou com o supervisor Fernando. Ele foi super-gentil, mas eu no o conheço até hoje. Conheci o gerente da loja Ronaldo que também foi mil. Aliás, conversando com ele descobri que trabalhei com o sogro dele, o Pernambuco, que foi editor da TVE. Sabe aquela história de que o mundo é um fusca e cabem seis pessoas. Pois é...
Os dois foram ótimos, os funcionários foram ótimos, mas tem um custo financeiro. Afinal, iríamos gastar a luz do cara num domingo quando a loja deveria estar fechada. E era preciso ter dois funcionários lá dando uma força. Custou quase nada, mas é custo, né? Por isso, digo que nenhum filme se faz sem dinheiro.
Vamos voltar lá ao gerador. A idéia não era ter um gerador, mas uma festiva. Quer dizer, fazer oficialmente um gato. Fui à Light e paguei um pouco mais de 100 reais para ir um funcionário lá na esquina fazer o tal gato oficial que aguentasse a luz que iríamos usar. E como eu saberia a quantidade de luz? Aí gastei meu celular ligando para eletricista, diretor de fotografia de dentro da loja da Light onde tive que ir umas 3 vezes e enfrentar fila para resolver. Paguei, mas não resolvi.
Eu, Thiago e o eletricista João ficamos no horário combinado na esquina da sapataria às vésperas da filmagem por 4 horas esperando os técnicos da Light. Claro que durante este tempo gastei mais alguns milhares de impulsos do meu celular para os caras chegarem e falarem que era impossível fazer a tal festiva. Só que estava todo mundo mobilizado, equipamento alugado, tudo certo para a filmagem. Depois de mais alguns impulsos de celular consegui que alguém da Light me garantisse que na manhã seguinte, por volta das 5 horas, chegaria uma pessoa que resolveria nosso problema.
Às 5 da manhã, do dia 29 de junho, eu estava no meu carro em direção ao Rio Comprido para buscar o eletricista e falando ao celular com a Light. E não é que os caras não conseguiram fazer a tal festiva mesmo!!! Depois que eu me estressei bastante em mais alguns milhares de impulsos de celular, eles resolveram mandar um caminhão gerador para resolver o problema.


Enquanto o gerador era instalado e João preparava as ligações de luz, eu recebia em casa, ali perto, a equipe para um café da manhã reforçado porque o previsto era um dia inteiro de filmagem.
O previsto era começar às seis, mas os imprevistos nos fizeram começar às 9h.
Mas voltando a questão da grana. Tive que fazer compras enormes para café da manhã e almoço da equipe na minha casa com o auxílio luxuoso da minha sogra Margareth que, enquanto eu filmava, preparava o rango.
Gastei também uma grana com equipamentos. Mas, é claro, muito menos do que se gastaria se eu não tivesse amigos sensacionais. Shirley, a atriz, e Paulinho, o câmera, que são donos da Preta Filmes! entraram como co-produtores cedendo a HDV e arrumando um povo maravilhoso para a equipe: Jeff, na assistência de câmera, Claudinho, no som, e Onça, no microfone.
Grande parte do equipamento de luz foi emprestado por Osvaldo Enne, dono da Pólo Cenário - locadora de equipamentos de luz e meu eterno aluno. Outra parte tive que alugar na Apema com um ótimo desconto mediado por outra amiga, Elianne Ivo Barroso.

Mas todo mundo que faz fimes sabe que há trabalhos profissionais que não rolam de graça. eu consegui atores, equipe de fotografia, equipe de som, figurantes, gente que se ofereceu para o projeto - como o Marcos, de Cabo Frio, que conheci quando dei um curso de roteiro no festival de lá, e Rafael, amigo da Renata que estuda cinema. Mas eletricista e motorista você tem que pagar. E não dá para fazer um filme sem o cara que sabe como controlar aquela energia toda e evita que o set pegue fogo e nem sem o cara que tem um carro para transportar a tralha que é o equipamento, mesmo num filme em digital. E tem ainda que comprar umas bobagens para a cena: avental, sorvete, taças, canudos coloridos...
Tinha também outra locação que era a soreveteria. A gente tentou o Devassa do Flamengo, quase em frente à sapataria. Seria mais um esquema perto da minha casa, com menos transporte, menos problema com alimentação da equipe, mas eles não toparam. Aí pensei no Café do Estação, em Botafogo, mais ou menos perto. Acionei minha ex-ex-ex-aluna Liliam Hargreves - porque faz muito teeeeempo que ela foi minha aluna - que me deu os caminhos.



Vera Saboya, do Café do Estação, e Mariana Maceri - do Estação - além de Luana, gerente de lá, resolveram meu problema. Mas tinha também aqueles custos básicos: luz e segurança.

Na filmagem, no café que virou sorveteria, não conseguimos ter a equipe de som porque a galera estava trabalhando e tivemos que filmar na madrugada. De meia noite ás 5h. Levamos o equipamento para lá no meu carro e no carro do meu cunhado Júlio e da minha irmã Sandra.

Ah! E tem também que comprar um lanchinho para a galera durante a filmagem porque ninguém aguenta horas e horas a seco. Tem água, café, mate, biscoito...

E quando acaba, mesmo que você faça o filme em casa: tem que comprar DVD´s, CD´s, capas de DVD, etiquetas, tinta para impressora e pagar as postagens com registro para os festivais. Porque curta-metragem é festival e ponto!

Você tem também que pensar no lançamento, na pré-estreia. E aí mais uma vez, conhecer pessoas é fundamental. Acabei de fechar com o Leonardo Franco, do Solar de Botafogo, a estreia lá. Fechei com a Editora Record - que é a editora do João Gilberto Noll - a impressão de convites e marcadores de livro de graça. Mas quem vai fazer a arte final? Por sorte, dou aulas em uma escola técnica de comunicação e a galera de lá vai fazer a arte para mim como apoio. mas no coquetel não vai ter jeito: vou morrer em mais uns cruzeiros!!!

Ah, já ia esquecendo! Eu precisava de dois pares de sandálias novas - um para o homem e outro para a mulher. Comprei com desconto na mesma Sampés. Dei a sandália para meu pai e vou com a da mulher na pré-estreia.

Ainda nem fiz a contas. Tenho preguiça com números. Mas calculo por alto o gasto de uns 5 ou 7 mil reais. Isso porque não paguei direitos autorais da adaptação do conto do Noll nem da mùsica da Adriana Calcanhoto. Eles foram muito generosos sem nem mesmo me conhecer. Outra história que conto depois.

Fico pensando: por que gastei esse dinheiro? Acho que dava para férias em Buenos Aires. Mas quando lembro o prazer que foram os dias de filmagem e os dias de edição e pensar sobre esse filme...









Não houve tempo para ensaios. Todo mundo muito ocupado, trabalhando muito. Até mesmo para promover o primeiro encontro entre os atores Shirley Cruz e Alexandre Lino foi complicado. No primeiro que conseguimos, ensaiamos a primeira cena na minha casa. Passamos logo para o computador e fizemos uma edição. E não é que no dia da filmagem saiu um pouco diferente! Mas a idéia estava toda na minha cabeça. O filme já existia nela. Eu vi!


No final de 2006, o escritor gaúcho João Gilberto Noll publicou um livro de contos - A máquina do ser. Ao lê-lo, descobri um conto que me fascinou. Parecia a síntese da angústia dos muitos solitários que povoam a literatura de Noll. O título era pura poesia: Frágeis afetos. Não resisti ao desejo de transformar aquela história em um roteiro. Mas a minha versão, o mais próximo possível da prosa literária que, simplesmente, amo, ficou por meses no meu computador. Ousei mostrar para um amigo ou outro, mas me faltava coragem para concretizar a transmutação das palavras em sons e imagens. Passei praticamente um ano pensando no assunto até que, em fins de 2007, consegui o telefone de Noll a fim de solicitar a autorização para filmar a adaptação. Confesso que levei mais alguns meses para ligar, conseguir o e-mail do autor e enviar a ele meu roteiro. Uma manhã, acordei decidida e cumpri a missão. Fiquei surpresa ao receber quase que imediatamente a resposta: Sim, eu poderia filmar o conto no formato de curta-metragem. Mas foi necessário mais um longo tempo para concretizar o projeto. Filmar depende de dinheiro, mas, no meu caso, dependeu mais de parcerias. Amigos maravilhosos se juntaram ao projeto que teve o seu primeiro dia de filmagem em 29 de junho de 2008. Nove meses depois, o filme estava pronto.